Que o modelo de franchising pode ser uma excelente opção de negócios para aqueles que desejam empreender e ter mais autonomia sobre seus ganhos, a maioria das pessoas já sabe. Contudo, muitas dúvidas ainda podem surgir durante o planejamento dos potenciais empresários, já que são vários os fatores a serem levados em consideração antes de se decidir pelo investimento. Em um eventual ranqueamento dessas dúvidas, a tributação de franquias apareceria nas primeiras posições, sem sombras de dúvidas.
Um dos assuntos que mais atormentam empresários e também os potenciais empresários no Brasil é a visualização da tributação total com a qual a empresa deverá arcar. Temos um dos sistemas tributários mais complexos do mundo, razão pela qual o tormento é completamente justificável.
Se essa questão já passou pela sua cabeça, acompanhe o texto a seguir, pois nele explicaremos tudo que um potencial empreendedor necessita saber sobre a tributação de franquia.
Lei Complementar n° 116/2003
A principal norma legal que deve ser conhecida por aquele que cogita adquirir e gerir uma franquia que tenha como foco a prestação de serviços ao cliente é a Lei Complementar Federal n° 116, promulgada em 31 de julho de 2003. Essa é a lei que disciplina sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, abreviado por ISSQN, que é justamente o imposto incidente sobre os serviços prestados no território nacional.
Sobre o ISSQN
O ISSQN é um imposto de competência municipal. A Lei Complementar Federal n° 116/2003 apresenta as normas gerais relativas ao tributo, tais como as hipóteses de incidência — formalmente chamadas de fato gerador do tributo —, as alíquotas máximas e mínimas para cada atividade tributada, o local em que o imposto é devido, entre outros aspectos.
Cada município é competente para editar normas complementares que serão aplicadas em seu território. O município não pode, por exemplo, eleger outra atividade para ser tributada que não esteja no rol previsto na Lei n° 116/2003. Mas ele pode, também por meio de lei complementar, determinar quais alíquotas de ISSQN incidirão sobre os serviços prestados em seu domínio, desde que respeite o mínimo e o máximo previsto na legislação federal.
Alíquotas
Uma das primeiras informações que aquele que deseja ser franqueado deve colher é a alíquota de ISSQN estabelecida para sua atividade no município em que deseja empreender.
Como exemplo prático, podemos pensar em um dentista que esteja cogitando abrir uma clínica, pois já atingiu o patamar máximo de atendimentos como autônomo. Ele precisa verificar, no município onde deseja estabelecer sua clínica, qual é a alíquota prevista na legislação local para o serviço de odontologia. A Lei n° 116/2003 estabelece apenas que deve ficar entre 2 e 5% do valor do preço do serviço, mas o percentual exato é definido por cidade.
Base de cálculo do tributo
Outro ponto a ser observado é, justamente, sobre quais valores o ISSQN incide, o que a lei chama de base de cálculo do tributo. A Lei n° 116/2003 estabelece que a base de cálculo do ISSQN é exatamente o preço do serviço cobrado do usuário ou cliente. Muitos empresários erroneamente pensam que é possível excluir da tributação os valores dos materiais utilizados na prestação dos serviços, o que, salvo raríssimas exceções, não é permitido.
Outros tributos municipais
O potencial franqueado deve ainda se informar em seu município sobre eventuais taxas de funcionamento anuais, como obter o alvará de funcionamento, procedimentos para emissão de notas fiscais de serviço ou outras exigências da prefeitura para estabelecer seu negócio no local e, assim, poder calcular o custo exato do seu negócio.
Saber quais taxas e tributos serão cobrados para o funcionamento de uma empresa é essencial para fazer um planejamento financeiro correto e efetuar o cálculo de retorno de investimento da franquia adquirida.
Formatação de franquias
Uma franquia consiste basicamente em uma marca, já com relevância no mercado, que deseja expandir seu modelo de negócio. Para tanto, essa empresa cede aos seus franqueados o direito de uso de sua marca ou patente, associado ao direito de distribuição, exclusiva ou semiexclusiva, dos produtos ou serviços que são por ela ofertados. Essa cessão de direitos é realizada mediante o pagamento de uma taxa estipulada em contrato celebrado entre o franqueador e o franqueado.
Antes de ceder os direitos ao interessado, a empresa que deseja se tornar uma franquia deve elaborar um processo de formatação, para obter êxito em suas pretensões, criando uma rede de sucesso para quem desejar ser um franqueado e que satisfaça plenamente todos os clientes. Explicaremos de forma resumida a seguir os passos que devem ser seguidos para a formatação de uma franquia.
Análise da viabilidade do franqueamento e elaboração do plano de negócios
Obviamente, a primeira coisa a ser feita é a verificação da viabilidade de franquear o produto ou serviço oferecido por determinada empresa. Nesse estágio, deve ser feita uma análise do mercado a fim de verificar se o modelo de franchising é o mais recomendado para a expansão do negócio.
Se a empresa realmente optar pelo franqueamento, deverá elaborar um plano de negócios que preveja os investimentos necessários, os produtos que serão ofertados, como manter a qualidade daquilo que já é oferecido e os custos, para que o negócio seja rentável tanto para o franqueador quanto para o franqueado, e que ainda se mantenha acessível e satisfaça o público-alvo.
É nessa etapa que devem ser definidos o prazo de retorno do capital que será investido e as taxas que serão cobradas dos franqueados para ter acesso ao suporte do franqueador.
Instrumentação jurídica
Existe no Brasil uma lei que disciplina o franqueamento de empresas, a Lei n° 8.955/95. Tal norma traz diversos requisitos a serem cumpridos pela empresa que deseja se expandir pelo modelo de franchising.
Os principais documentos que devem ser elaborados são a COF (Circular de Oferta de Franquia), o Pré-Contrato e o Contrato, por meio dos quais se estabelecem as obrigações a serem cumpridas pelo franqueado e também pelo franqueador.
Manualização ou modelagem funcional
Nessa etapa, o objetivo principal é padronizar as atividades, processos e trabalhos da empresa. Os padrões devem ser seguidos por todos os franqueados para manter a qualidade do serviço que é ofertado.
Para tanto, elaboram-se os manuais da franquia que devem orientar franqueado e franqueador sobre como proceder para manter os padrões definidos.
Implantação
É nessa fase que a franqueadora vai capacitar sua equipe para comercializar a franquia e expandir sua rede. Deve haver a divulgação do material formulado, bem como a busca e a seleção de eventuais franqueados. É recomendado que as atividades iniciem em uma unidade-piloto, que poderá futuramente ser um centro de treinamento para novos franqueados.
Reflexos da formatação de franquias
Todo o processo de formatação que foi explicado de forma resumida acima implica custos para o franqueador. Por esse motivo, os contratos de franchising costumam estabelecer valores a serem pagos pelos franqueados, os quais também se beneficiarão de todo o know-how desenvolvido pela franqueadora.
A Lei Complementar n° 116/2003 traz a franquia em seu rol de atividades que configuram como fato gerador de ISSQN. Contudo, os tribunais superiores entendem que o contrato de franquia é um contrato complexo, não uma simples prestação de serviços entre franqueado e franqueador, já que existem obrigações múltiplas entre as partes.
Dessa forma, diversas decisões judiciais anulam a cobrança de ISSQN sobre os valores pagos pelo franqueado ao franqueador, considerando-a ilegal.
Contudo, é importante ressaltar que o dispositivo que prevê que franquia é fato gerador de ISSQN ainda não foi considerado ilegal pelo Supremo Tribunal Federal, motivo pelo qual alguns municípios continuam tributando a atividade, ainda que com decisões judiciais desfavoráveis. Infelizmente, mesmo já tendo se passado mais de quinze anos da promulgação da Lei n° 116/2003, a questão ainda não foi pacificada.
Modelos tributários
Independentemente da incidência de ISSQN sobre o valor pago pelo franqueado ao franqueador, outros tributos incidirão sobre os valores recebidos pelos serviços prestados pelo franqueado, ou seja, sobre a receita da franquia. No Brasil, temos hoje três principais modalidades tributárias para empresas, as quais abordaremos na sequência.
Simples Nacional
O Simples Nacional é um regime que visa a unificação do recolhimento dos tributos para micro, pequenas e médias empresas.
Foi instituído pela Lei Complementar n° 123/2006 e seu objetivo é facilitar e desburocratizar a arrecadação dos tributos federais, estaduais e municipais, já que todos são recolhidos por meio de um documento único. Visa também diminuir a alta carga tributária incidente sobre as empresas brasileiras, com a previsão de alíquotas progressivas de acordo com o faturamento anual de cada uma.
Os tributos recolhidos por meio da guia de arrecadação do Simples Nacional, no caso de prestadores de serviço, são:
- Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ);
- Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins);
- Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CSLL);
- Contribuição Patronal Previdenciária (CPP);
- Programa de Integração Social e Programa de Formação de Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep);
- o já citado Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN).
É importante ressaltar que a alíquota do Simples Nacional incide sobre todo o faturamento da empresa e, dentro do montante arrecadado, é feita a divisão entre cada tributo, repassado a cada ente arrecadador (União, estados ou municípios) de forma proporcional dentro dos percentuais também estabelecidos na Lei 123/2006.
Aos poucos, o governo está aumentando as empresas que podem optar pela sistemática do Simples Nacional. O limite de receita para os optantes foi elevado no exercício de 2018, e ano a ano mais atividades são autorizadas a ingressar no modelo. Por exemplo, desde 1º de janeiro de 2015 foi permitido que clínicas médicas e odontológicas fizessem a opção pelo modelo tributário do Simples Nacional.
Nesse sistema tributário, o percentual pago pela empresa optante depende do seu ramo de atividade, de seu faturamento nos últimos doze meses e, no caso de algumas modalidades de prestação de serviços, temos ainda outra variável para entrar na conta: o valor da folha de pagamento da empresa. Para determinar a alíquota tributária dessas empresas, a lei estabelece o cálculo de uma variável denominada “fator r”.
A atividade de odontologia é uma das que a Lei Complementar n° 123/2006 determina que devem utilizar o fator r para definir a alíquota tributária incidente sobre seu faturamento mensal.
Assim, no caso de uma clínica odontológica que tenha um faturamento acumulado nos últimos doze meses de R$ 180.000, é preciso encontrar o seu fator r por meio da fórmula:
folha de pagamento / faturamento x 100.
Supondo que a folha de pagamento fique em R$ 18.000 anuais, temos:
fator r: 18.000 / 180.000 x 100
fator r: 10%
A Lei 123/2006 determina que se o fator r for superior a 28%, a empresa deve recolher seus tributos de acordo com as alíquotas da Tabela de seu Anexo III. Já se a alíquota for inferior a 28%, como no exemplo detalhado, os tributos são recolhidos com base nas alíquotas da Tabela do Anexo V da mesma lei.
Para fins de comparação, a alíquota de uma empresa com faturamento acumulado nos últimos doze meses de até R$ 180.000, enquadrada no Anexo III, é de 6%, enquanto a mesma faixa de faturamento, mas enquadrada no Anexo V, é de 15,5%. Logo, o valor da folha de pagamento da empresa, no caso dos prestadores de serviço, é um critério essencial para análise da viabilidade de opção pela sistemática do Simples Nacional.
Destacamos ainda que a empresa optante pelo Simples Nacional deve cumprir uma série de requisitos, como estar em dia com suas obrigações perante todos os entes federados; caso contrário, tem sua opção ao regime indeferida.
Outro ponto que não pode ser esquecido é que a guia do Simples Nacional envolve apenas os tributos acima indicados. Eventuais taxas de funcionamento emitidas pela prefeitura, IPTU do imóvel, IPVA dos veículos da empresa ou quaisquer outros tributos devem ser pagos por meio de documentos próprios.
Lucro Presumido
As empresas que adotam a tributação nesta modalidade recolherão o IRPJ e a CSLL com base em uma margem de lucro que é prefixada por lei.
Eventualmente, a opção por esse regime pode ser vantajosa, pois, ainda que o lucro seja maior do que o estabelecido pela legislação, os tributos incidirão apenas até a margem prefixada. Obviamente que, na situação inversa, quando o lucro for inferior ao previsto na lei, o recolhimento ainda assim fica condicionado aos valores estabelecidos.
No caso de prestação de serviços, a margem prefixada pela lei é que o lucro é de 32% do faturamento bruto. As alíquotas são de 0,65% para o PIS, 3% para Cofins, 15% para IRPJ e 3% para CSLL. Os dois primeiros são recolhidos mensalmente, e os dois últimos, trimestralmente.
Nessa opção, o ISSQN deve ser recolhido diretamente para a prefeitura da cidade onde a empresa estiver estabelecida, de acordo com a alíquota estabelecida pelo município, que deve ficar sempre entre 2 e 5% do valor dos serviços.
O teto do faturamento bruto para opção dessa modalidade é de R$ 78 milhões anuais.
Lucro Real
Nesta última modalidade tributária, não existe prefixação do lucro por lei. A apuração das receitas e despesas é feita de forma que a lei autoriza algumas deduções baseadas em diversos fatores, como consumo de energia elétrica.
Tais deduções podem compensar as alíquotas mais elevadas de PIS (1,65%) e Cofins (7,6%). O IRPJ e a CSLL mantêm as mesmas alíquotas do regime de Lucro Presumido — 15% e 3%, respectivamente.
O ISSQN, da mesma maneira explicada acima, fica condicionado às normas de cada município.
Empresas optantes pelo lucro real podem até mesmo ficar alguns períodos sem ter apuração a pagar ao governo relativa à CSLL e ao IRPJ, nos casos de apurar prejuízo no exercício. Contudo, tal modalidade exige um custo maior com pessoal para manter um controle financeiro e tem mais obrigações acessórias, com mais informações a serem transmitidas ao Fisco.
Planejamento tributário para franquias
Agora que você conhece um pouco mais sobre as modalidades tributárias que podem ser escolhidas ao abrir sua franquia, é capaz de realizar um planejamento tributário adequado para seu negócio e evitar custos desnecessários ou imprevistos.
Necessidade da realização de planejamento tributário
Essa é uma etapa crucial para quem cogita empreender pelo modelo de franchising ou por qualquer outro, já que os tributos podem representar uma das maiores despesas anuais das empresas brasileiras.
Ao se preparar para investir em uma franquia, todos os custos devem ser levados em consideração, incluindo o aluguel e a adequação do imóvel, os insumos e mobílias necessários, a contratação e a capacitação de pessoal, a taxa de publicidade, os royalties da franqueadora e, especialmente, os tributos incidentes sobre a atividade.
O empresário deve, então, verificar se tem disponível o capital inicial necessário para girar o negócio durante o prazo de retorno do investimento e eventuais financiamentos que sejam necessários para a abertura de sua franquia.
Se o planejamento tributário estiver inadequado, ou seja, se a tributação da franquia não for corretamente estimada, todo o investimento pode ser posto em risco.
Facilidades para franqueados
Evidentemente, qualquer pessoa que esteja disposta a empreender deve efetuar um planejamento tributário. O franqueado, por sua vez, conta com um grande auxílio para realização de seu planejamento, que é justamente o suporte da franqueadora.
Ao optar por esse modelo de negócio, o franqueado consegue obter da empresa franqueadora informações cruciais para decidir qual modelo tributário adotará, como a média de faturamento e da folha de pagamento de outras franquias com capacidade de negócio similar à sua.
Em algumas franchisings, no próprio manual do franqueado já é indicado qual modelo tributário é o mais adequado para aquele tipo de negócio. Muitas vezes, as franqueadoras contam, ainda, com profissionais de seu time de colaboradores capacitados para dar as informações necessárias aos franqueados, como contadores e advogados que já têm experiência naquele ramo de atividade.
Essa é uma das maiores vantagens dos empresários que optam pelo modelo de franchising frente aos demais segmentos do mercado. Ao escolher um negócio comum, o pequeno e médio empresário não tem tal suporte, ficando diversas vezes à mercê de consultorias extremamente custosas e que muitas vezes não têm experiência no ramo específico de atuação daquele empresário. Outros, visando economizar, procuram realizar estudos próprios que na maioria dos casos não são eficientes.
Dicas para evitar custos imprevistos
O potencial empreendedor que está interessado em ter sua própria franquia deve estar atento para evitar custos e despesas inesperadas, evitando colocar a saúde financeira da sua empresa em risco.
Para tanto, recomendamos que todos os tributos indiretos suportados pela empresa, especialmente pela prestadora de serviços, como ISS, PIS e Cofins, sejam embutidos no preço do serviço que é cobrado do usuário final. Assim, para precificar o serviço executado, é necessário levar em consideração a carga tributária que deve ser repassada ao consumidor. Para tais impostos, a franquia deve funcionar como uma mera repassadora de valores ao Fisco.
Conclusão
Embora o sistema tributário brasileiro seja extremamente complexo, com um pouco de esforço é possível entender as principais regras que o regulam e procurar a melhor forma de enquadramento para cada empresa nas modalidades disponíveis, de forma que os custos sejam suportados e gerando a maior margem possível de lucro.
O modelo de franchising apresenta muitas vantagens frente aos demais segmentos de negócio do mercado justamente por oferecer uma assessoria eficaz ao franqueado, auxiliando-o a elaborar o planejamento tributário adequado ao seu negócio, com base nas informações de outras franquias similares.
Sugerimos que o interessado em empreender nesse modelo procure empresas franqueadoras no mercado com confiabilidade e estude o seu modelo de negócio, manual do franqueado, taxas cobradas e, claro, a tributação incidente sobre o negócio antes de tomar sua decisão. Se possível, é interessante entrar em contato com outras pessoas que usem o modelo para colher informações mais consistentes.
A tributação de franquia é apenas um dos fatores relevantes a serem levados em consideração antes de decidir por esse modelo de negócio. Muito embora possa provocar um susto inicial especialmente em pessoas que não têm familiaridade com esse tipo de assunto, é plenamente possível compreendê-la e vencer esse desafio com um pouco de dedicação.
E, se mesmo depois de todo o estudo ainda restar alguma dúvida sobre os tributos ou modelos de tributação, um bom contador pode saná-la rapidamente!
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